É aí que localizo na minha cidade o espaço de resistência a esses padrões uniformes do mundo global – o botequim. O buteco é a casa do mal gosto, do disforme, do arroto, da barriga indecente, da porrada, da grosseria, do afeto, da gentileza, da proximidade, do debate, da exposição das fraquezas, da dor de corno, da alegria do novo amor, do exercício, enfim, de uma forma de cidadania muito peculiar.
A luta pelo buteco é a possibilidade de manter viva uma Ágora efetivamente popular, espaço de geração de ideias e utopias – sem viadagens intelectuais, mas fundadas na sabedoria dos que têm pouco e precisam inventar a vida – que possam nos regenerar da falência de uma (des)humanidade que limita-se a sonhar com a roupa nova e o corpo moldado. O botequim é o anti-shopping center, é a anti-globalização, é a recusa mais veemente ao corpo-máquina dos atletas olímpicos ou ao corpo doente das anoréxicas – doença comum nesse mundo desencantado.
Ali, entre garrafas vazias, chinelos de dedo, copos americanos, pratos feitos e petiscos gordurosos, daquele mar de barrigas indecentes, onde São Jorge é o deus e mercado é só a feira da esquina, a vida resiste aos desmandos da uniformização e o ser humano é restituído ao que há de mais valente e humano na sua trajetória – a capacidade de sonhar seus delírios e afogar suas dores e medos na próxima cachaça. É onde a alma da cidade grita – Não passarão!
Luis Antonio Simas, em Resistir é preciso